Jackson Cionek
105 Views

Arquitetura que pensa comigo: virar esquinas e o custo invisível da atenção

Arquitetura que pensa comigo: virar esquinas e o custo invisível da atenção

(Consciência em Primeira Pessoa • Neurociência Decolonial • Brain Bee • O Sentir e Saber Taá)


O Sentir e Saber Taá

Antes de qualquer explicação científica, eu me coloco dentro da cena.
Eu caminho por um corredor. Meus passos são estáveis, regulares, quase automáticos.
Mas, ao chegar perto de uma esquina, algo muda.

Meu corpo desacelera um pouco, meus olhos procuram um ponto de referência, minha atenção contrai.
Não é medo — é prevenção involuntária.
Meu cérebro se organiza antecipando o desconhecido:
"o que tem depois da curva?"

Eu não penso nisso conscientemente.
Eu apenas sinto — e esse sentir é o começo do saber.
Taá: informação que entra pelo corpo antes de virar conceito.

É nessa experiência corporal silenciosa que nasce a pergunta científica do trabalho de Zoubida Djebbara, Duy Cuong Huynh, Aleksandrs Koselevs, Yutian Chen, Lars Brorson Fich e Klaus Gramann, publicado em 2025 na revista NeuroImage:

“Turning corners in built environments shifts the spatial attention costs.”

E eu me pergunto junto com eles, agora não mais como pedestre, mas como consciência em primeira pessoa:

Quanto custa para o meu cérebro virar uma esquina?

E mais:

E se os lugares onde vivemos forem capazes de cansar ou libertar o nosso cérebro?


1. A experiência viva: quando o espaço muda, o corpo pensa primeiro

Virar uma esquina não é apenas mudar de direção — é romper previsibilidade.

Na vida cotidiana, eu sinto isso como:

  • um pequeno aperto na respiração,

  • uma leve reorganização do eixo do corpo,

  • uma atenção mais estreita,

  • um aumento silencioso do estado de vigilância.

O estudo de Djebbara e colegas se apoia exatamente nessa intuição corporal:
o ambiente construído atua como força cognitiva.

Isso é Neurociência Decolonial em estado bruto:
não existe mente separada do território; o espaço nos pensa tanto quanto nós o pensamos.


2. O que os autores realmente fizeram (e encontraram)

Os participantes caminharam em ambientes reais e virtuais, usando EEG móvel (MoBI), enquanto realizavam tarefas que exigiam controle atencional. Eles compararam:

  • Andar em linha reta
    versus

  • Virar esquinas

e observaram o impacto sobre:

  • custo atencional,

  • oscilação alfa,

  • modulação pré-frontal,

  • recursos cognitivos disponíveis durante a navegação.

Os resultados são claros:

1. Virar esquinas aumenta o custo da atenção.

O cérebro entra em modo de exame do ambiente — monitoramento do espaço escondido, antecipação de movimento, maior vigilância.

2. Há maior supressão de alfa.

Supressão de alfa = aumento de alocação de atenção visual e espacial.

3. Movimentos corporais e processamento visual se acoplam.

Andar deixa de ser automático e se torna parcialmente controlado.

4. O ambiente construído é um modulador cognitivo.

Não é “frescura arquitetônica”: a forma como prédios e ruas são desenhados altera diretamente a carga mental do cidadão.

Em suma:

Virar uma esquina “custa” para o cérebro — e esse custo é mensurável.


3. Como isso conversa com nossos conceitos

A) Corpo Território

Esse estudo grita nosso conceito com precisão:

O espaço é parte do corpo; o corpo é parte do espaço.

Quando o ambiente muda, meu corpo muda junto — antes da minha consciência formular qualquer pensamento.

A esquina é o ponto onde o corpo precisa renegociar sua segurança e percepção.

B) Mente Damasiana

Damasio diz que mente é o corpo percebendo a si mesmo no mundo.
Aqui vemos isso literalmente:

  • o corpo sente a esquina,

  • o cérebro reorganiza sua oscilação,

  • a mente se ajusta.

A esquina interfere na mente porque interfere antes no corpo.

C) Eus Tensionais

Virar a esquina exige:

  • um Eu Tensonal de vigilância,

  • retração sensorial,

  • foco espacial concentrado.

O estudo mostra que o ambiente convoca Eus Tensionais específicos.
Não é psicologia individual: é contexto arquitetônico modulando estados internos.

D) Zona 1, 2 e 3

  • Caminhar em área aberta e previsível → Zona 1 fluida

  • Virar esquinas frequentes em espaços caóticos → aproxima do limite da Zona 3 urbana (atenção hipercontratada)

  • Ambientes bem desenhados → permitem voltas contínuas para Zona 2, a fruição de caminhar.

A neuroarquitetura é uma política de consciência.


4. Onde a ciência desloca e corrige nossas ideias

Eu sempre falei de Corpo Território e de como o ambiente interfere na consciência.
Mas este estudo me ensina algo mais específico:

Não é o espaço inteiro que pesa — são microtransições.

A esquina é uma fronteira cognitiva.

Eu preciso ajustar o conceito:

  • não são apenas bairros perigosos que tensionam a mente,

  • qualquer mudança súbita de previsibilidade espacial já dispara reorganização cognitiva.

A ciência evidencia uma nuance:

A arquitetura não é só cenário: é estímulo cognitivo contínuo.

Isso me faz pensar em cidades que adoecem pela microarquitetura, não pelo macroplanejamento.


5. Sementes normativas para prefeituras e constituições LATAM

Deste estudo, nascem oportunidades concretas:

1. Roteiros urbanos cognitivos

Projetar caminhos públicos levando em conta a carga atencional:

  • rotas com menos esquinas bruscas em escolas, hospitais e ciclovias;

  • esquinas mais abertas, iluminadas e visíveis;

  • corredores urbanos com vistas amplas para reduzir tensão cognitiva.

2. Neurodiretrizes de arquitetura pública

Criar protocolos municipais que incluam:

  • visibilidade periférica mínima,

  • ângulos suaves em ambientes públicos,

  • limites para “curvas cegas” em prédios públicos e escolas.

3. Cidades que evitam Zona 3

Evitar projetos urbanos que:

  • forcem alerta constante,

  • criem sensação contínua de imprevisibilidade,

  • provoquem supressão alfa repetida e desgaste cognitivo.

4. Arquitetura decolonial

Reconectar cidades LATAM com saberes ameríndios que valorizam:

  • território aberto,

  • horizontes largos,

  • previsibilidade sensorial,

  • integração corpo-território.

É possível dizer, com base científica:

A cidade colonial produz corpos tensos.
A cidade decolonial produz corpos presentes.


6. Palavras-chave para encontrar a publicação

“Djebbara 2025 Turning corners built environments shifts spatial attention costs NeuroImage 121549”


Este Blog deixa muito evidente para mim que a rua, o prédio, a esquina —  não são estruturas neutras.

São forças que modulam nossa consciência,
mexem no nosso ritmo interno,  e moldam como pensamos, andamos e pertencemos.

Se quisermos uma América Latina que respire, precisamos construir cidades que não coloquem nossos cérebros em estado de guerra a cada esquina.

O território pensa — e nossos corpos sabem disso antes de nós.



Quando dois Cérebros Recebem o Mesmo Mundo - Cooperação, sincronia e o ritmo compartilhado da atenção

Embodied Singing - Voz, interocepção e Corpo Território na expertise vocal

Cheiros Agradáveis e Modulação da Respiração -Quando o olfato organiza o acoplamento cérebro–corpo

Arquitetura que Pensa Comigo - Virar esquinas e o custo atencional dos ambientes construídos

Viés de Aproximação Sonora Desde o Berço - Como recém-nascidos e adultos codificam o desejo de ouvir

Ondas Beta e o Momento em que eu Realmente Decido - O pré-frontal como o lugar onde o “sentir” vira “escolher”

Como meu Cérebro Codifica a Voz na Meia-Idade - A F0, o esforço auditivo e a vitalidade do ouvir humano

Aprender com outro Cérebro ao Lado - Hiperscanning e a pedagogia da co-presença

Reprodutibilidade em fNIRS - Quando posso confiar na curva hemodinâmica que vejo?

HRfunc e a Verdadeira Forma da Resposta Hemodinâmica - Por que cada cérebro respira luz de um jeito diferente

Realidade Mista e Decisão - Como o cérebro avalia protótipos e mundos híbridos

Exercício Intenso e o Despertar da Zona 2 - A hemodinâmica do esforço e o corpo que cria inteligência

Abotoar uma Camisa - O cotidiano como janela da atenção, do gesto e da consciência

Depressão, tDCS e Pré-Frontal - Reacendendo circuitos silenciosos

Como Projetar Estudos de fNIRS em Ambientes Reais - A ciência que precisa sair do laboratório para existir

Transformers e Short-Channels Virtuais - IA limpando o sinal cerebral e recontando a hemodinâmica

Fadiga Mental e Performance - Quando a cabeça desiste antes do corpo

Água gelada e o cérebro - Oxigenação, frio e a consciência do limite

Caminhar depois do AVC - A interferência cognitivo-motora no cotidiano real

Equilíbrio e Cerebelo em Parkinson - Movimento, tensões e reorganização do Corpo Território

Freezing of Gait e a Perda do Quorum do Próprio Corpo - Como o corpo deixa de confiar no próximo passo

Crianças com Implante Coclear -  Aprender a ouvir pelo cérebro, não apenas pelo dispositivo

Processamento Emocional em Crianças com Comportamento Opositor - Regulação, conflito e o nascimento dos Eus Tensionais

Comprometimento Cognitivo Leve - Sinais precoces na hemodinâmica e na presença no mundo

Dor, Apatia e Depressão em Demência - Quando sentir e pensar deixam de caminhar juntos

Carga Cognitiva - O quanto o fNIRS realmente sente o meu esforço mental

O cérebro no Cotidiano - Equitação assistida, esporte e fruição corporal

Jiwasa Linguístico - Quando a Lngua Pensa o Mundo

Multiplicação dialógica e psicologia indígena - Como deixar a psicologia ouvir sem apagar o outro

BrainLatam Decolonial
BrainLatam Decolonial

#Neurociencias
#Decolonial
#Sincronia
#VozCorpo
#Respirar
#EspacoVivo
#BetaMind
#CoPresenca
#fNIRS
#EEG
#Zona2
#Fatiga
#CaminhoAVC
#OuvirNeuro
#EmoKids
#CogLeve
#Demencia
#CargaCog
#CorpoFluxo
#Jiwasa
#DREX




#eegmicrostates #neurogliainteractions #eegmicrostates #eegnirsapplications #physiologyandbehavior #neurophilosophy #translationalneuroscience #bienestarwellnessbemestar #neuropolitics #sentienceconsciousness #metacognitionmindsetpremeditation #culturalneuroscience #agingmaturityinnocence #affectivecomputing #languageprocessing #humanking #fruición #wellbeing #neurophilosophy #neurorights #neuropolitics #neuroeconomics #neuromarketing #translationalneuroscience #religare #physiologyandbehavior #skill-implicit-learning #semiotics #encodingofwords #metacognitionmindsetpremeditation #affectivecomputing #meaning #semioticsofaction #mineraçãodedados #soberanianational #mercenáriosdamonetização
Author image

Jackson Cionek

New perspectives in translational control: from neurodegenerative diseases to glioblastoma | Brain States