Jackson Cionek
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Weicho - O Ser Sem Diferenças

Weicho - O Ser Sem Diferenças

O silêncio que antecede o gesto


1. Fruição – O repouso do Todo

Consciência em Primeira Pessoa

Antes do tempo, havia o silêncio.
Não o silêncio da ausência, mas o da presença total.
Nada se movia, e, ainda assim, tudo era.

Nenhum som, nenhuma cor, nenhuma fronteira — apenas o campo de possibilidades.
Era o Weicho: o ser sem propriedades diferenciais, o estado em que a pedra ainda não é dura, a água ainda não é líquida, e o homem ainda não é distinto do vento.

Neste silêncio primordial, o universo repousava em si mesmo — não como vazio, mas como plenitude não segmentada.
E desse repouso nasceu o gesto.
O Taá começou a sonhar, o Yãy hã mĩy começou a imitar, o Pei Utupe começou a sentir.
Mas o Weicho permaneceu, sustentando tudo como o fundo invisível da consciência.


2. A origem Tukano do Weicho

Entre os povos Tukano, Desana e Barasana, do alto rio Negro, o Weicho (ou Weixo, Wetschu) representa a substância original de onde tudo emergiu.
Antes de haver mundos, formas ou espíritos, havia essa matéria indiferenciada — uma essência que continha, em potência, todas as diferenças futuras.

“No começo, não havia nomes.
Tudo dormia dentro de si.”
(Canto de criação Barasana, tradução de Reichel-Dolmatoff)

O Weicho é o ser antes de se tornar coisa.
Quando o Criador sopra o primeiro som, a substância vibra e se diferencia:
a pedra ganha peso, o rio ganha curso, o corpo ganha sopro.
Mas o Weicho nunca desaparece — ele é o pano de fundo contínuo da realidade.

O xamã Tukano, ao entrar em transe, “retorna ao Weicho”: ele vê o mundo sem contornos, percebe os espíritos e as matérias como variações da mesma vibração.
O retorno ao Weicho é o retorno à unidade perceptiva — o estado onde todas as fronteiras se dissolvem.


3. O Weicho e o corpo neurobiológico

Do ponto de vista da neurociência contemporânea, o Weicho corresponde ao estado de mínima diferenciação neural — o repouso profundo do sistema.
Durante o sono N3, as oscilações lentas (<1 Hz) desativam o córtex pré-frontal, a consciência narrativa e a segmentação entre corpo e ambiente.
A mente retorna a uma forma de percepção oceânica: o sentir sem forma.

Nessa fase, a mTOR (mammalian Target of Rapamycin) — enzima reguladora do metabolismo celular — reduz sua atividade, promovendo reciclagem proteica e restauração energética.
É o momento em que o corpo “se apaga” para se recompor.
O Weicho, nesse sentido, é o sono profundo da existência, o instante em que a consciência se despersonaliza e o corpo se refaz no indistinto.

Pesquisas de Tononi (2021) e Mashour (2022) sobre consciência mínima sugerem que o cérebro nunca atinge o “zero absoluto” — mesmo no N3, pequenas redes de coerência oscilam silenciosamente.
É o eco do Taá dentro do Weicho: o sonho ainda adormecido, preparando o gesto seguinte.


4. Weicho e o metabolismo da criação

A cosmologia Tukano descreve o Weicho como o “leito das águas primordiais”.
A biologia descreve esse mesmo princípio como o estado basal do metabolismo, onde a vida se reorganiza para continuar existindo.

Quando a mTOR é inibida, as células entram em autofagia regenerativa:
reciclam o que não serve, preservam o que é essencial.
Do ponto de vista espiritual, é o corpo retornando à sua pureza original — ao ser sem propriedades diferenciais.

No Weicho, nada é descartado, tudo é reorganizado.
O que parecia morte é apenas transformação sem ego.
A sabedoria indígena intuiu isso há milênios: toda criação nasce do repouso, não do esforço.
O universo respira através da alternância entre gesto e silêncio.


5. A consciência indiferenciada e a dissolução do eu

A experiência do Weicho pode ser vivida — ainda que brevemente — nos momentos em que o corpo perde a distinção entre dentro e fora.
Durante o transe, a meditação profunda ou o sono sem sonhos, a mente deixa de representar e passa a simplesmente ser.

Neurofisiologicamente, há redução da conectividade entre as redes executivas e aumento da sincronia lenta tálamo-cortical.
A autoconsciência se dissolve, e resta apenas a sensação de presença total — sem sujeito, sem objeto.

É o estado que Damasio chamaria de proto-self absoluto,
ou que Alfredo Pereira Jr. descreveria como a face neutra do Monismo de Triplo Aspecto:
a informação pura antes de se tornar matéria e consciência.

Nesse ponto, o Weicho deixa de ser apenas mito e se torna fenômeno neurobiológico — o instante em que o sistema retorna à base informacional do existir.


6. O Weicho e o ciclo dos outros estados

Cada um dos três blogs anteriores pode ser visto como um movimento a partir do Weicho:

Etapa

Conceito

Função existencial

1

Weicho

Ser sem propriedades – repouso e potencialidade

2

Taá

O sonhar informacional – a vibração do todo

3

Yãy hã mĩy

A imitação – o gesto que cria formas

4

Pei Utupe

O sentir – a informação engajada

5

(Retorno ao Weicho)

Dissolução – reintegração e regeneração

A consciência não é linear, mas cíclica.
Assim como o sono alterna entre N1, N2, N3 e REM, a mente alterna entre diferenciar-se e retornar ao indistinto.
O Weicho é o útero invisível de todos os estados — o solo do qual cada percepção nasce e para o qual retorna.


7. O Weicho e a espiritualidade sem promessa

A espiritualidade do Weicho não promete continuidade nem redenção.
Ela fala de um retorno ao indistinto, não como fim, mas como recomeço.
Quando a vida silencia, o corpo se decompõe em moléculas que voltam a circular — informação que se redistribui.
Nada é perdido; tudo se transforma.

O Weicho é, portanto, a eternidade do instante, não da pessoa.
É o estado em que o indivíduo cessa e a informação continua.
É a pureza do ser antes da história — o mesmo silêncio que se renova a cada respiração profunda.


8. Referências científicas e etnográficas

Neurociência e biologia pós-2020

  • Tononi, G. (2021). Integrated Information Theory and the Minimal Conscious State.

  • Mashour, G. (2022). Consciousness and the Neural Correlates of Sleep.

  • Damasio, A. (2021). O Saber e o Pensar.

  • Pereira Jr., A. (2022). Triple-Aspect Monism and the Ground of Experience.

  • Barrett, L. F. (2022). The Predictive Brain and the Energetics of Emotion.

  • Berntson, G. (2023). Autonomic Rhythms and Metabolic Balance during Deep Sleep.

Fontes ameríndias e antropológicas

  • Reichel-Dolmatoff, G. (1971). Amazonian Cosmos: The Sexual and Religious Symbolism of the Tukano Indians.

  • Hugh-Jones, S. (1979). The Palm and the Pleiades: Initiation and Cosmology in Northwest Amazonia.

  • Desana e Tukano: relatos do Museu do Índio / Rio Negro – Cadernos de Mitologia Indígena.

  • Viveiros de Castro, E. (2011). Metafísicas Canibais.

  • Kopenawa, D. & Albert, B. (2010). A Queda do Céu.


9. Síntese e reflexão final

O Weicho é o repouso do universo em si mesmo.
É o fundo silencioso onde o corpo dorme, a mente dissolve e a alma repousa.

Tudo o que nasce, nasce do Weicho;
tudo o que morre, retorna a ele.

É o sono da matéria,
a pausa da consciência,
o instante eterno onde nada é separado.

Viver é diferenciar-se do Weicho;
morrer é voltar a ser o que nunca deixou de ser.




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New perspectives in translational control: from neurodegenerative diseases to glioblastoma | Brain States