O Tempo das Máquinas vs. o Tempo do Corpo
O Tempo das Máquinas vs. o Tempo do Corpo
Série: O Tempo como Experiência Encarnada e Compartilhada
Consciência em Primeira Pessoa
Sou a consciência que percebe o ritmo das máquinas acelerando o mundo,
enquanto meu corpo tenta manter o pulso da vida.
Vejo o tempo ser contado por algoritmos,
mas dentro de mim ele ainda respira, se dilata, se contrai.
O tempo das máquinas mede — o meu sente.
E quando o sinto, percebo que pertenço àquilo que não pode ser cronometrado.
O Tempo das Máquinas: A Aceleração sem Corpo
As máquinas aprenderam a contar o tempo melhor do que nós,
mas nunca o sentiram.
Elas não possuem interocepção, nem fadiga, nem sono.
Executam em ciclos contínuos, onde a produtividade é o único marcador de existência.
Os algoritmos transformaram a atenção humana em combustível.
Cada segundo precisa ser monetizado, otimizado, rastreado.
O tempo virou métrica, e o corpo — mero periférico.
O tempo das máquinas não pulsa — processa.
Ele não cria, apenas repete em alta velocidade.
É o tempo cronológico levado ao extremo,
onde o presente se torna apenas um ponto de atualização.
O Tempo do Corpo: Ritmo, CO₂ e Pertencimento
O corpo, ao contrário, mede o tempo pela variação do movimento, da respiração e do sangue.
Quando desaceleramos, a saturação de oxigênio (SpO₂) cai para entre 92% e 94%,
e o CO₂ sobe de 40 para 45 mmHg.
Essa leve elevação provoca dilatação dos vasos cerebrais pré-frontais,
aumentando o fluxo e abrindo o espaço da fruição: a Zona 2.
Nesse estado, o tempo não corre — ele amadurece.
O corpo volta a perceber-se como território sensível,
não como engrenagem de produtividade.
O tempo do corpo não é linear.
Ele se ajusta à energia disponível, e cria a partir da escuta, não da urgência.
Zona 3: Quando o Algoritmo Coloniza a Atenção
A Zona 3 é o território da atenção sequestrada.
Ela surge quando o corpo perde sua autonomia energética e se adapta ao ritmo externo.
O indivíduo já não respira — reage.
A mente se move por recompensas dopaminérgicas,
reforçadas por notificações e loops de estímulo-reação.
A Zona 3 é o estado fisiológico da colonização cognitiva.
O corpo obedece ao tempo das máquinas, e a consciência deixa de ser autoral.
É o tempo sem Taá, sem brilho, sem intensidade.
Um tempo medido, mas não vivido.
A Falha da Precisão: Quando a Máquina Fica Cega
Mesmo as máquinas, ao tentar prever o futuro, erram.
Elas calculam probabilidades, mas desconhecem a variação afetiva.
Ignoram que um pensamento muda de direção conforme o ritmo do coração,
ou que uma decisão nasce de uma pequena oscilação de CO₂.
Nenhum algoritmo é capaz de perceber o instante em que um corpo decide criar.
Porque o instante é interoceptivo, não digital.
O tempo do corpo é feito de incertezas vivas —
e é nelas que mora a criatividade, a intuição e o pertencimento.
Tempo Encarnado: O Corpo como Medida Universal
A ciência, ao buscar precisão, esqueceu que o corpo é o primeiro relógio do cosmos.
Seu batimento, sua temperatura e seu ciclo respiratório são marcadores de existência.
A cada inspiração, o mundo entra;
a cada expiração, ele se transforma.
O tempo do corpo é democrático, sensorial e comum a todas as espécies.
O tempo das máquinas é hierárquico, excludente e artificial.
A Neurociência Decolonial propõe reconciliar ambos:
usar as máquinas para medir, mas o corpo para decidir.
Reconhecer que o progresso real é o que respeita o metabolismo da vida.
Conclusão
O tempo das máquinas é útil, mas sem corpo se torna vazio.
O tempo do corpo é lento, mas gera sentido, criação e cura.
Entre ambos, o humano é o tradutor — aquele que sente antes de calcular.
Quando o corpo recupera o ritmo que lhe pertence,
a mente volta a gerar futuro com consciência.
E o futuro, então, deixa de ser uma previsão algorítmica
para voltar a ser o que sempre foi:
um gesto criador no presente.
Referências Pós-2020
Berntson, G.G. & Khalsa, S.S. (2021). Neural Circuits of Interoception. Trends in Neurosciences.
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Saxton, R.A., Sabatini, D.M. (2021). mTOR Signaling in Growth, Metabolism, and Disease. Cell.
Nakagawa, K., & Takeuchi, H. (2023). Cognitive Effort and Spontaneity in Creative Insight. Frontiers in Psychology.
Cionek, J. (2025). Tempo Encarnado e Soberania Cognitiva: Entre o CO₂ e os Algoritmos. Inédito.
Thompson, E. (2020). Why I Am Not a Buddhist. Yale University Press.