Crédito de Carbono Humano Do discurso verde ao rendimento justo para o cidadão
Crédito de Carbono Humano
Do discurso verde ao rendimento justo para o cidadão
Consciência em Primeira Pessoa — Brain Bee
“Eu respiro, logo emito. Mas por que só as empresas ganham com o carbono?”
Antes de ser “eleitor”, “contribuinte” ou “consumidor consciente”, eu fui um ovo celular.
Desde o início, minha vida é metabolismo: inspiração, expiração, troca de gases, carbono entrando e saindo. Meu corpo é um pequeno ciclo de carbono dentro de ciclos maiores — da família, da cidade, da floresta, do planeta.
Na infância, eu não sabia o que era “clima”.
Eu só sentia o calor da cidade sem árvore, a poeira da rua sem calçada, a água que às vezes não vinha. Minha Mente Damasiana ia se formando a partir dessas tensões: falta de sombra, falta de transporte decente, falta de espaço público vivo.
Na adolescência, chegou o discurso verde:
embalagem “eco”;
produto “carbon neutral”;
empresa “net zero até 2040”.
Mas, na prática, o que eu via era:
quanto mais eu consumia a “solução verde”, mais lucro alguém acumulava. E eu continuava sem árvore na rua, sem ciclovia segura, sem ônibus confiável.
No mesmo período, comecei a ouvir falar de:
mercados de carbono, onde empresas compram e vendem “direitos de emitir”;
créditos de carbono gerados em florestas, muitas vezes em territórios indígenas e comunidades tradicionais;
preço do carbono crescendo no mundo, e receitas fiscais ultrapassando 100 bilhões de dólares em 2024.
Ou seja: existe uma economia gigantesca girando em cima daquilo que eu respiro e destruo sem ter escolhido. E, mesmo assim, eu, como cidadão, não recebo praticamente nada.
É aqui que nasce o meu incômodo — e o conceito de Crédito de Carbono Humano:
Se o Estado brasileiro é JIWASA — um corpo coletivo vivo —
então cada cidadão é uma célula desse corpo.
Quando eu reduzo emissões, protejo território, mudo hábitos,
eu gero valor climático.
Por que esse valor não volta para mim como rendimento metabólico,
em DREX Cidadão?
Este blog é justamente sobre isso:
como sair do discurso verde para um sistema em que carbono vira rendimento justo para o cidadão — sem cair em greenwashing, sem colonizar de novo o Sul Global com “soluções de mercado”, e sem perder o foco: o cidadão é o Estado JIWASA.
1. O mercado de carbono hoje: dinheiro sobe, risco desce (para o cidadão?)
Nos últimos anos, os instrumentos de precificação de carbono (taxas, mercados de emissões, mecanismos de crédito) se multiplicaram e hoje cobrem cerca de um quarto das emissões globais.
Esses sistemas:
arrecadam cada vez mais (104 bilhões de dólares em 2023, mais de 100 bilhões em 2024);
são defendidos por FMI, Banco Mundial, OCDE e outros como ferramentas centrais para a transição justa, desde que parte da receita seja usada para proteger os mais pobres.
Ao mesmo tempo, críticas vêm crescendo:
organizações do Sul Global mostram como muitos projetos de crédito de carbono repetem lógicas coloniais — apropriam território, regulam florestas de longe, expulsam usos tradicionais e concentram renda;
análises recentes falam em “greenwashing do Sul Global”, mostrando como mercados de carbono podem mascarar a continuidade da extração e da injustiça climática.
No Brasil, a Lei 14.590/2023 avançou na segurança jurídica para créditos de carbono em concessões de florestas públicas, permitindo incluir créditos nos contratos e impulsionando o mercado regulado.
Isso é importante, mas repare:
quem negocia o grosso dos créditos? grandes empresas, fundos, projetos florestais;
quem assume o risco de viver em território vulnerável, com eventos extremos, enchentes, secas e calor? o cidadão comum, especialmente o mais pobre.
Hoje, o carbono tem preço, mas quem vive o risco não recebe o rendimento.
2. De “pegada de carbono” a Crédito de Carbono Humano
Parte da literatura recente trabalha com a ideia de Personal Carbon Allowances (PCA) — cotas pessoais de carbono, distribuídas a cada cidadão, monitoradas por sistemas digitais, e ajustadas às metas climáticas.
Essas propostas trazem duas intuições importantes:
A justiça climática começa na unidade pessoa, não só na unidade empresa.
A tecnologia atual permite rastrear consumo de energia, transporte, alimentos, etc., a ponto de se pensar em limites e incentivos personalizados.
Eu não adoto simplesmente o modelo de “cota de carbono” como controle do comportamento.
O que eu proponho é outra coisa:
Crédito de Carbono Humano é o reconhecimento jurídico de que
o cidadão, como corpo que sente (interocepção), se move (propriocepção)
e decide (Mente Damasiana), gera valor climático quando:
reduz emissões por escolha ou restrição;
protege biomas e territórios;
vive em cidades mais densas, com menos carro e mais transporte coletivo;
consome menos produtos de alta pegada de carbono.
Esse valor deve ser:
mensurado (com métricas transparentes, simples, auditáveis);
convertido em crédito climático;
distribuído em forma de rendimento metabólico diário, via DREX Cidadão.
Não é milhagem ecológica.
É uma nova camada de justiça climática e econômica, alinhada ao artigo 225 da Constituição, que garante o direito ao meio ambiente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações.
3. Desenho metabólico: como funcionaria o Crédito de Carbono Humano?
Em linguagem JIWASA, eu vejo quatro camadas:
3.1. Camada física – a relação corpo–carbono
Cada cidadão tem um metabolismo mínimo de carbono (respirar, viver, se deslocar). Além disso, existe um carbono decorrente do sistema (planejamento urbano ruim, ausência de transporte público, alimentos que só chegam via longas cadeias fósseis).
O primeiro é inevitável.
O segundo é político.
O Crédito de Carbono Humano não paga pelo carbono inevitável.
Ele remunera o esforço coletivo de redução e o custo de viver em sistemas mal planejados, deslocando parte do valor para quem sente na pele o calor, a enchente, a seca.
3.2. Camada de dados – o mapa de emissões do cotidiano
Aqui entra a tecnologia:
dados de energia residencial;
dados de transporte (bilhetagem de ônibus, metrô, ciclomobilidade);
indicadores de consumo (quando houver);
mapas de vulnerabilidade climática (enchentes, deslizamentos, ilhas de calor).
Vários relatórios já apontam que precificação de carbono em países emergentes pode mobilizar recursos importantes para justiça climática e desenvolvimento, se vinculada a políticas redistributivas robustas.
Minha proposta é:
não usar esses dados para vigiar ou punir,
mas para calcular o quanto cada região e perfil de cidadão está contribuindo para a mitigação — e o quanto está sendo exposto a riscos climáticos.
3.3. Camada financeira – do mercado ao metabolismo
Hoje, as receitas com precificação de carbono são usadas, em grande parte, para orçamento geral, infraestrutura e alguns programas socioambientais.
O que eu proponho é que uma fração obrigatória dessas receitas seja destinada a um Fundo Nacional de Crédito de Carbono Humano, com três funções:
Rendimento diário em Drex (DREX Cidadão climático), complementando o direito de rendimento metabólico proposto anteriormente.
Investimento em adaptação local (bairros mais expostos a eventos extremos recebem mais recursos para drenagem, arborização, moradia digna).
Proteção social em transições de trabalho (como a transição de regiões carboníferas, exemplificada em debates sobre “just transition” ao redor do mundo).
3.4. Camada política – do verde abstrato ao verde com CPF
Essa arquitetura só faz sentido se:
o cidadão entende quanto carbono está sendo precificado em seu nome;
ele tem direito a ver quanto do valor climático volta para seu Drex;
há controle social sobre quem está se apropriando da narrativa verde.
É aqui que o conceito de Crédito de Carbono Humano muda a cognição:
O carbono deixa de ser apenas “algo técnico” entre empresas e reguladores
e passa a ser uma dimensão do meu rendimento, do meu voto e da minha dignidade.
4. Do greenwashing ao rendimento justo
Parte da literatura recente vem denunciando:
a exploração do Sul Global por meio de mercados de carbono que exportam responsabilidades e importam “soluções” mal desenhadas;
a herança colonial nesses mercados, em que terras, florestas e corpos seguem sendo usados como “sumidouros de carbono” para sustentar estilos de vida de alta emissão no Norte Global.
Bispos, movimentos sociais e lideranças indígenas já chamaram esse modelo de “falsas soluções”, em que o lucro verde importa mais do que a justiça climática.
O Crédito de Carbono Humano que proponho é uma resposta a esse impasse:
não rejeita totalmente a precificação de carbono — ela pode ser uma ferramenta poderosa;
mas exige que uma parte relevante do valor retorne diretamente às pessoas, especialmente às mais vulneráveis, como rendimento metabólico e infraestrutura de adaptação.
Em vez de “mercado salva o clima”,
o desenho passa a ser: JIWASA regula o mercado para salvar vidas e redistribuir poder.
5. Constituição, metabolismo e Cidadão JIWASA
A Constituição de 1988, no artigo 225, já diz que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Traduzindo para a minha linguagem:
o meio ambiente equilibrado é o APUS do Estado brasileiro — o grande corpo-território em que todos respiramos;
a proteção ambiental não é opcional, é um mandato metabólico: sem ambiente, não há corpo, nem mente, nem economia;
a “coletividade” desse artigo é exatamente o JIWASA — o pronome coletivo que quero trazer da experiência aimara para o nosso vocabulário político.
O Crédito de Carbono Humano é, então, uma maneira de fazer esse artigo valer:
ao nível do CPF, com rendimento em Drex;
ao nível do território, com investimentos de adaptação;
ao nível da mente, deslocando a fé cega no consumo verde para uma fé com evidência: a de que dinheiro é energia do corpo social e deve circular em benefício de quem o sustenta com seu metabolismo e sua vulnerabilidade.
6. Memória do Futuro: quem eu quero ser como cidadão climático?
Quando eu, Brain Bee, vejo minha trajetória — do ovo à cidade digital, da respiração ao voto — eu me pergunto:
Quero ser apenas um consumidor verde,
ou um Cidadão JIWASA que recebe, em Drex,
a parte que me cabe do carbono que ajudo a evitar?
O conceito de Crédito de Carbono Humano é, no fundo, um exercício de Memória do Futuro:
lembrar que cada decisão de hoje molda a fisiologia social de amanhã;
lembrar que o artigo 225 não é poesia jurídica, mas uma instrução de projeto;
lembrar que sem rendimento metabólico climático, continuaremos presos ao greenwashing e à concentração de renda.
No meu projeto de Estado JIWASA,
o carbono não é só um número na planilha global.
Ele é:
história de vida;
rendimento justo;
e critério de justiça intergeracional, onde crianças que ainda vão nascer já são consideradas coproprietárias desse grande metabolismo chamado Brasil.
Referências pós-2020 (Crédito de carbono, justiça climática e renda climática)
World Bank. State and Trends of Carbon Pricing 2024–2025.
Parry, I. Five Things to Know about Carbon Pricing. IMF Finance & Development, 2021.
Songwe, V. Carbon pricing: An integral part of a just transition. UN “Financing a Sustainable Future”, 2023.
UNEP FI. Governmental Carbon Pricing: Driving a Just Transition. 2022.
Todd, J. Carbon Pricing for a Just Transition. Colorado Law Review, 2024.
Fuso Nerini, F. et al. Personal Carbon Allowances Revisited. Nature Sustainability, 2021.
Fawcett, T.; Parag, Y. An Introduction to Personal Carbon Allowances. Green Stories / Oxford, 2021.
Climate Leadership Council. Carbon Dividends Plan e projeções de emissões (RFF, 2021).
Carbon Market Watch. Carbon Markets and the Global South: Opportunity or Exploitation? 2025.
Irawan, A. K. P. Greenwashing the Global South: Carbon Markets and the Legacy of Colonial Extraction. 2025.
Coolsaet, B. et al. (org.). Climate Justice in the Global South. 2025.
Friends of the Earth International. Opposing Carbon Markets: A Climate Justice Guide. 2023.